A08 • Festa de Iemanjá (Vila Velha, 1968) e Festa de São Benedito (Vitória, 1968)

Lado A: Registro da Festa de Iemanjá na praia de Itapoã, em Vila Velha, a 31 de Dezembro de 1968. Participa a Fraternidade Tabajara do Pai João, de Cariacica. Apesar de o conteúdo registrado na gravação indicar o ano correspondente ao registro como 1968, a bibliografia disponível (ver referências externas) assinala o ano de 1967.

Lado B: Registro de toadas de congo das Festas de São Benedito realizadas nos bairros Santa Clara, São Cristóvão e Maruípe em 25 de Dezembro de 1968. Os versos das toadas são entoados primeiro a capella e depois acompanhados de instrumentos e coro. As bandas de congos não são identificadas, mas a menção a Alarico por um dos congueiros sugere que se trate do Congo de Mulembá, fundada pelo mestre Alarico de Azevedo, registrada também na fita A07. Ao final do Lado B, está a continuidade da Festa de Iemanjá iniciada no Lado A, com a finalização da cerimônia.

Conteúdo detalhado

LADO A

[00:00:00.25]
> Orador 1: Depois eu gostaria de continuar nossa entrevista. Pode ser?

> Orador 2: É, pode ser.

> Orador 1: Dona Maria de Lourdes…

> Orador 2: Poyares Labuto.

> Orador 2: Tá, obrigado, heim. Foi arrumado um altar aqui na praia. Há garrafas de vinho, oferendas; há muitos colares, uma imagem… aliás, são duas imagens enfeitadas com flores: um crucifixo ao lado da imagem de Iemanjá. Temos lá uma imagem de São Jorge. Ao lado de Iemanjá nós temos a imagem de São Jorge, outra santa que eu não posso identificar, muitas oferendas. Como é o nome?

> Orador 3: Nossa Senhora da Conceição.

> Orador 1: Ah, Nossa Senhora da Conceição. Sim. E flores coloridas de várias espécies, trazidas pelos fiéis, trazidas pelos médiuns da umbanda. Há médiuns masculinos e femininos, e há uma garota vestida de azul que ela representa o quê?

> Orador 3: Representa Iemanjá.

> Orador 1: Ela representa Iemanjá. Uma garota com um manto azul claro…

> DML: Representa a Janaína. A Janaína.

> Orador 1: Que que é a Janaína, Dona Maria?

> DML: Janaína é uma súdita, ou são súditas de Iemanjá.

> Orador 1: Ah, sim, senhora. Então falou a Dona Maria de Lourdes, de modo que nos esclareceu. A chefe agora vai fazer uma prece. Todos, em silêncio, vamos ouvir a prece da chefe.

[00:01:36.01]
> Ponto cantado. Chega, chega, pai João / Chega vem com Oxalá / Pai João já chegou / E vem nos ajudar

[00:03:22.00]
> Ponto cantado. Vem lá de Aruanda […] / Pai João que vem com Oxalá…

[00:05:18.23]
> Orador 1: A chefe continua fumando um charuto e fazendo…

> Ponto cantado. Seu Tabajara falou que está de partida…

[00:08:42.00]
> Ponto cantado. Salve a cruz de Tabajara…

> Orador 1: Enquanto os médiuns cantam essa música, a médium-chefe faz umas cruzes perante o altar.

> Ponto cantado. Chegou Seu Tabajara, chefe-mentor desta seara…

> Orador 1: Neste momento, cada um faz a cruz na fronte.

> Ponto cantado. Chegou Seu Tabajara, chefe-mentor desta seara…

[00:11:11.00]
> Orador 1: Nós temos lá agora várias velas acesas. Os médiuns homens é que estão acendendo as velas. Há um pacote lá e a médium-chefe está fazendo, continua fazendo sua preces. A menina Janaína fica ao lado do altar. A médium-chefe está pedindo bençãos para várias entidades, a Clínica do Câncer, dos Tuberculosos e outros mais. Pediu pelas Forças Armadas do país, pelas autoridades, pela Polícia Militar, pela Polícia Civil, pelas corporações todas, pelos estudantes, pelos professores; enfim, todas as comunidades. Já anoiteceu, o céu está muito bonito, um céu muito límpido, as estrelas fulgurando. É um momento que realmente comove, porque em plena natureza, diante do mar, esta praia praticamente isolada – parece que isso propicia a uma oração mais digna, mais pura. A impressão que eu estou tendo agora. A lua está quase cheia, iluminando este local onde todos assistem respeitosamente a cerimônia. A médium-chefe pediu pelos sacerdotes, pastores e médiuns em geral. Pediu também pelos ateus.

[00:12:58.01]
> Ponto cantado. Eu deixo as águas, eu deixo o mar…

[00:16:13.00]
> Orador 1: Ao lado da médium-chefe vão indo as médiuns e os médiuns também prestando uma homenagem…

> Ponto cantado. A iaiá sereia, salve Iemanjá…

> Orador 1: Já no centro vemos a chefe e várias outras médiuns que se dirigem ao centro, tomadas do espírito. Por enquanto, os homens médiuns, médiuns masculinos, não compareceram no centro do terreiro. Agora quem canta é a chefe.

> Ponto cantado. A Iaiá sereia, salve Iemanjá…

[00:19:01.28]
> Orador 1: Vemos aqui no centro do terreiro aqui do recinto, ao lado da chefe, já vários médiuns presos a fim daquele êxtase, ou daquela… agora não me vem a palavra própria. Alguns deitaram-se, outros ajoelharam-se.

[00:19:23.11]
> Ponto cantado. Tabajara, Tabajara, vinde vós todos com alegria…

[00:22:21.02]
> Ponto cantado. Na areia, brinca mãe d’água, brinca a sereia, brinca a Janaína na areia…

[00:24:11.19]
> Corte. Ponto cantado. Ô Janaína, menina, como vem rompendo o mar…

[00:25:40.00]
> Orador 1: Enquanto ouvimos esse canto, no meio do recinto as médiuns femininas cada uma… umas dançam, outras fazem movimentos como se estivessem dentro do mar, outras rolam pela areia imitando as ondas do mar. A cantiga é comandada pela chefe.

> Ponto cantado. Ô Janaína, menina, como vem rompendo o mar…

[00:28:25.03]
> Orador 1: Deram salve a várias entidades, A Gazeta, ao povo de Minas Gerais… Todos batem palma. Agora, a médium-chefe chama para apanhar as ofertas. Vamos ver como se seguirá isto. Várias médiuns estão totalmente concentradas, fazendo pedidos a Iemanjá, a Deus, cada uma de uma certa forma, algumas de mãos levantadas, outras abaixadas em posição de adoração. Agora a chefe chama para fazer a libação na beira do mar, todos se dirigem para a beira do mar. Agora…

> Orador 4: Esse é o Exú beira-mar, tá? É o Exú relacionado com água.

Orador 1: Sei. Todos concentrados aqui bem na beirada do mar e vão fazer uma libação para Exú. Agora haverá a separação dos médiuns masculinos pra um lado e os médiuns femininos para outro. A médium-chefe se dirigiu novamente lá para o altar e trouxe mais bebidas… notamos que bebidas são sempre brancas, cerveja branca, vinho branco. É a libação de Exú. O senhor poderia me informar aqui… o senhor vai lançar essa flor ao mar?

> Orador 5: Vou fazer um pedido aqui.

> Orador 1: Quer dizer que quando o senhor lança essa flor ao mar…

> Orador 5: Eu faço um pedido ao mesmo tempo.

> Orador 1: Sei. Qual é o momento que você vai lançar essa flor ao mar? Depois da libação ou agora?

> Orador 5: Não, depois da libação.

> Orador 1: Sei, primeiro vem a libação e depois o que que sucede?

> Orador 5: Depois da libação… nós jogamos as flores ao mar e pedimos os desejos de cada um.

> Orador 1: Ah, ok. E quem não trouxe flores pode fazer pedido também?

> Orador 5: Pode fazer também.

> Orador 1: Pode fazer independente de ter trazido flores. O senhor tem um pedido especial hoje?

> Orador 5: Tenho um pedido especial. Cada qual tem um pedido especial, de acordo…

> Orador 1: O seu pedido é segredo, o senhor poderia dizer aqui qual é o seu pedido?

> Orador 5: O pedido não é propriamente um segredo, né. Nós pedimos que Deus nos ajude, dê força e que possamos vencer a vida.

> Orador 1: É isso que o senhor vai pedir hoje?

> Orador 5: Justamente.

> Orador 1: Então que seja feliz e que seu pedido seja atendido por Iemanjá.

[00:31:17.12]
> Orador 1: A médium-chefe se dirigiu até o mar e atira o líquido somente, porque a garrafa não deve ser atirada ao mar. Ela volta. Ela oferece a Ogum, levanta a garrafa para o alto e oferece para Ogum.

> Música. Ele trabalha na areia meu pai, ele trabalha no mar…

> Orador 1: [inaudível] a devoção deste povo.

> Música. Ele trabalha na areia meu pai, ele trabalha no mar…

> Orador 1: Agora vemos vários médiuns, todos tomados de espírito, circundando a chefe. Estão em êxtase. Todos esses que estão lá receberam o guia, então estão sendo orientados pelo seu guia. Alguns ficam abaixados, deitados, outros fazendo gestos; alguns numa espécie de dança, sempre assim num sentido simbólico de homenagem ao Ogum, agora no momento quem está sendo homenageado é Ogum. Como disse a chefe, é uma das emanações de Deus.

FIM DO LADO A

INÍCIO DO LADO B

[00:00:02.00]
> Guilherme Santos Neves: Atenção, atenção. Festa de São Benedito nos bairros de Santa Clara, São Cristóvão e Maruípe. 25 de Dezembro de 1968. Atenção, atenção.

[00:00:30.00]
> Toada de congo. Na altura lá do mar… Ai meu Deus que hora é essa (?).

[00:03:05.00]
> Toada de congo.

São Benedito vai, vai passear, ê
Ele sai com seus devotos
Ele sai pra passear
E volta com seus devotos
É colocado em seu altar, ê

[00:06:33.00]
> Toada de congo.

Me dá o bico meu louro
Dê cá o pé papagaio (2x)
Comeu a fruta madura
Deixai a verde no galho, papagaio.

Ontem mesmo foi que eu soube
Que o canoeiro falou (2x)
Que fumaça de charuto
Mata paixão de amor, papagaio.

[00:11:53.20]
> Toada de congo.

Me fizeram um casamento
com a mocinha pobre feia
Uma razão puxa a outra
é coisa que me “arreceia”
Ai, Maria
que mora na ponta de areia.

> Orador 6: Viva São Benedito! Viva Seu Alarico! Viva Doutor. Guilherme Santos Neves. (e outros vivas)

[00:15:44.17]
> Toada de congo. Coro masculino.

A caiana está madura,
morena vamos moer
Eu não tenho coração
de ver caiana perder
Cana caiana
eu não posso te valer

[00:17:14.20]
> Toada de congo. Coro feminino.

Eu vou,
eu vou,
eu vou com São Benedito
São Benedito foi embora
Eu sozinha que não fico
Eu vou com São Benedito

[00:18:10.09]
> GSN: Prosseguimos a gravação – ou melhor, a regravação – iniciada na face anterior desta fita. Prossegue a Festa de Iemanjá ouvindo-se a seguir a Ave Maria…

[00:18:27.01]
> Ave Maria (coro).

[00:19:06.00]
> GSN: Depois de longamente cantarem a Ave Maria, entoam outro canto. Ouçam.

[00:19:16.19]
> Música. Maria de Nazaré, os seus filhos pedem…

[00:20:08.13]
> Orador 1: Agora saíram da beira da praia e vieram novamente para o altar. A chefe, a médium-chefe, está agora fazendo uma preleção. Agora encontram-se todos abaixados ao redor do altar.

[00:20:26.00]
> Música. A Jesus encontrar…

[00:21:13.00]
> GSN: Esta Aleluia é bem demorada, vamos interrompê-la para outra gravação.

[00:21:22.00]
> Médium-chefe: Ele está presente. Agora, o cabloco e o canto está manifestado.

> Música.

O mar da existência
(…)
Segura o navio pra não emborcar (2x)

[00:23:25.00]
> Médium-chefe: “Molhem as sofias do rosário no mar, segurando bem. Para proteção e imantação durante um ano inteiro. Deus nos ajude.

> Médium: saísse por aí para lavar as guias… para serem lavados e…

> Orador 1: Todos os guias, todos os médiuns, estão lavando seu rosários, seus colares; e esses colares, conforme disse a chefe, eles tão recebendo purificação…

[00:24:08.11]
> Música.
Areia, areia, areia no fundo do mar
Vamos tirar areia, areia do fundo do mar (com palmas)

[00:25:46.05]
> Médium-chefe: Em homenagem a Iemanjá, mas que sinceramente dedicamos às forças das águas, das águas do Brasil; em homenagem a Iemanjá.

> Música. Hino oficial do terreiro.
(Orador 1 conversa com a médium-chefe paralelamente)
Que família unida
Que família igual

[00:26:58.27]
Interferência sonora. gravação se torna inaudível.

[00:27:38.00]
> Hino oficial. Continuação.

[00:28:29.00]
> Orador 1: Esse canto foi feito em círculo, todos de mãos dadas, e a chefe abençoou cada um dos médiuns aqui presentes.

> Médium-chefe: De mar e terra. Salve a paz do mundo.

[00:28:48.08]
> Orador 1: Está encerrada a sessão que acompanhamos totalmente, desde o princípio. Tão logo chegou a Dona Maria de Lourdes, a chefe da comunidade, nós tivemos um contato com ela, filmamos uma boa parte enquanto a luz do sol permitiu. Agora está uma noite belíssima e nós estamos satisfeitos de ter participado e registrado esses cantos, e se possível esses cantos serão transmitidos pela Rádio, se houver interesse deles. De modo que aqui em nome da A Gazeta eu agradeço a recepção que nos foi dada, toda a atenção, e desejo muitas felicidades, muitas mesmo, para o ano de 1969. A senhora quer dar uma palavrinha final?

> DML: Seu nome?

> Orador 1: Eu sou Nestor Cinelli.

> DML: É o irmão Nestor Cinelli. E o seu ajudante? Jovino? Antunes? Jovino Antunes? Nós desejamos um radioso 1969 e aos seus familiares, aos seus amigos, e se por acaso eles tiverem adversários, também aos seus adversários.

FIM

Destaques do Lado A

Início Lado A. Festa de Iemanjá na Praia de Itapuã, em Vila Velha.

Destaques do Lado B

Início Lado B. Festa de São Benedito nos bairros de Santa Clara, São Cristóvão e Maruípe em 25 de dezembro de 1968.
Continuação do conteúdo presente no Lado A. Festa de Iemanjá na Praia de Itapuã, em Vila Velha

Ficha técnica

Código de referência

GSN_FR_A08

Título (atribuído)

Festa de Iemanjá (Vila Velha, 1968) e Festa de São Benedito (Vitória, 1968)

Data de gravação

Lado A: 31 de Dezembro de 1968. Lado B: 25 de Dezembro de 1968

Local de gravação

Não especificado

Suporte de gravação

Fita Rolo

Duração

Lado A: 35min56s
Lado B: 30min08s

Idioma

Português

Gênero

Dramatização, Registro Documental

Data da digitalização

16/05/2021

Informações no estojo

Sem estojo.

Marca e modelo

Não identificado.

Personagens

Guilherme Santos Neves; Maria de Lourdes Moraes de Arruda; Nestor Cinelli; Jovino Antunes.

Referências externas

Sobre a Festa de Iemanjá, uma data diferente à mencionada no registro é descrita como a data de sua realização em artigo publicado por Guilherme Santos Neves no Boletim do Folclore e, posteriormente, em sua Coletânea. Na gravação, o ano informado é 1968, enquanto nessa bibliografia o ano assinalado é o de 1967. ver:
Boletim do Folclore n° 83, 1967.
NEVES, G S. Coletânea de Estudos e Registros do Folclore Capixaba: 1944-1982. Vol 2. Vitória: Centro Cultural de Estudos e Pesquisas no Espírito Santo, 2008, pp. 79-81.

Uso e permissão

Permitida divulgação. Permitida utilização educacional. Não permitido uso comercial.