A fita consiste em um registro com o cantador Mestre Pedro de Aurora, conduzida pelo pesquisador Hermógenes Lima Fonseca. Consta ainda a presença de Domingos Barreira, “Compadre” Custódio, Moisés e outros interlocutores ainda não identificados.
Lado A: A gravação de inicia pelo cordel “Peleja de Bernardo Nogueira e Preto Limão”, cantado por Mestre Pedro de Aurora (a cantoria deste cordel tem início no Lado B da fita, onde está a primeira parte da conversa). Em seguida são cantadas as toadas identificadas como “Quem tem o seu bom não troca” e “A velha Adélia chorou”, sendo esta última um relato versado de um acontecimento dado no município de Nanuque, Minas Gerais, conforme explica Pedro de Aurora. Ainda, são entoadas “Maria quem quer prosar”, “Morena da Catingueira” e “E a notícia desse Reis já zoou no mundo inteiro”. Ao final, é discutido o Terno de Reis (ou apenas Reis): Mestre Pedro de Aurora comenta sua participação na tradição e conta algumas histórias, comentando a participação dos Marujos na cantoria.
Lado B: Primeira parte da entrevista. São cantadas as toadas “Tem precisa mas não queixa”; “Ô Joaquim tá na taca”; “Teu coração que me paga se puder”. Na sequência, Mestre Pedro de Aurora narra a história do Boi Ponta de Ouro, que planejar transformar em versos. São entoadas ainda “Jurema Preta” e “Tu me dá 3 mil reais emprestado”. Ao final, é entoada a Peleja de Bernardo Nogueira com Preto Limão, um cordel de autoria de João Martins de Athayde descrito pelos presentes como um coco (dança de roda típica das regiões Norte e Nordeste).
Obs: A primeira parte da entrevista se encontra no Lado B desta fita, sendo a continuação o conteúdo do Lado A.
Obs2:Parte dos oradores(as) não foi identificada até o momento.
Conteúdo detalhado
LADO A
[00:00:01.21]
> Toada. Som muito baixo.
[00:00:29.23]
> Oradores não-identificados. Peleja de Bernardo Nogueira e Preto Limão (continuação do Lado B, parte final)
Nogueira, presenciaste
um sujeito que chegou
trazendo um recado urgente,
que minha velha mandou?
porém hoje não canto mais
fique cantando que eu vou
Não quero satisfação
vá embora ao seu caminho
o canário que canta muito
costuma borrar o ninho
Um cantor como Nogueira
Não pode cantar sozinho
Nesse momento
sai o Preto Limão
deixando o povo na sala
Todos em confusão
uns diziam que Preto correu,
outros dizia que não
Quando o moleque voltou
Nogueira tinha saído
Preto Limão disse ao povo:
“vá chamar o atrevido
vem olhar bem de pertinho
como é que se surra um bandido”.
Lá foi chamar Nogueira
que ele já estava deitado
no seu arreio descansando
quando chegou o recado
Nogueira com muito gosto
foi acudir o chamado.
Quando Nogueira chegou
achou o Preto Limão
acuado numa sala
rugia como um leão
nesse mesmo momento
começaram a discussão.
O cantor que eu peguei de revez
com o talento que eu tenho no meu braço
eu dou tanto que eu deixo um bagaço
só de murro e bofeta, pontapé
só de surra eu dou mais de dez
mas o povo não ouve um só grito
fazendo careta se valendo do maldito
tua culpa a miséria te condena
me parece, que não há quem tem pena
desse monstro que morre tão aflito.
O cantor com Nogueira não peleja
sendo assim como um tal Preto Limão
só se for pra tomar minha lição
ele engole calado num boqueja
vai comendo da mesa o que sobeja
precisa me tratar com agrado
num instante fazer o meu mandado
e fazer tudo ligeiro sem demora
eu não gosto de moleque que se escora
Que assim que eu lhe quero por criado.
[00:03:28.23]
> MPA: Dá licença, eu vou mudar a toada / Quem tem o seu bom não troca…
> Essa é outra toada?
> É outra toada.
> Mestre Pedro de Aurora. Toada “Quem tem o seu bom não troca”.
Companheiro, me ajuda eu cantar
Quem tem o seu bom não troca
Quero beber gole bom
Na hora de arretirar
Quem tem o seu bom não troca
Ei, morena, o russo não tem defeito
O baile tá com a broca
Ei, morena, o baile tá escondido
Bernardino, eu tô resolvido
Bernardino, eu tô resolvido
Vamo-se embora pra cama deitar
Quem tem o seu bom não troca
Que o frio tá chegando
Nós queremos arretirar
Quem tem o seu bom não troca
Ei, morena, o russo não tem defeito
O baile tá com a broca
Ei, morena, o baile tá escondido
Bernardino, eu tô resolvido
Bernardino, eu tô resolvido
Pedro de Aurora quando canta
Cruzeiro Grande estremece
Quem tem o seu bom não troca
Menino que tá mamando
Fica pasmado e não cresce
Quem tem o seu bom não troca
Ei, morena, o russo não tem defeito
O baile tá com a broca
Ei, morena, o baile tá escondido
Bernardino, eu tô resolvido
Bernardino, eu tô resolvido
Ô, gente, cadê Sargento
Que eu por ele pergunto eu
Quem tem o seu bom não troca
Ou ele já foi dormir,
Ou de medo se escondeu
Quem tem o seu bom não troca
Ei, morena, o russo não tem defeito
O baile tá com a broca
Ei, morena, o baile tá escondido
Bernardino, eu tô resolvido
Bernardino, eu tô resolvido
Cadê o Pedro Marinheiro?
Que ele é meu companheiro
Quem tem o seu bom não troca
Ai, não quer cantar comigo
Tá usando de traiçoeiro
Quem tem o seu bom não troca
Ei, morena, o russo não tem defeito
O baile tá com a broca
Ei, morena, o baile tá escondido
Bernardino, eu tô resolvido
Bernardino, eu tô resolvido
Ah, seu Gerso
Quer beber um golinho?
Quem tem o seu bom não troca
Eu só bebo é contrariado
Cachaça, cerveja e vinho
Quem tem o seu bom não troca
Ei, morena, o russo não tem defeito
O baile tá com a broca
Ei, morena, o baile tá escondido
Bernardino, eu tô resolvido
Bernardino, eu tô resolvido
[00:06:53.23]
> [Conversa indistinta]
[00:08:09.02]
> Mestre Pedro de Aurora. Toada “A velha Adélia chorou”
A velha Adélia chorou
Chorou, fizeram isso com santo
Quanto mais com pecador
O delegado chegou e falou de cara feia
Gente, se eu sei quem foi
Pegava ele e dava dez anos de cadeia
No batido acostumado
É que eu gosto de louvar
A velha Adélia chorou, chorou
Quero beber gole bão
Mas no lugar que eu chegar
A velha Adélia chorou
Chorou, fizeram isso com santo
Quanto mais com pecador
O delegado chegou de cara feia
Gente, se eu sei quem foi
Pegava ele e dava dez anos de cadeia
Doutor o (…)
A velha Adélia chorou
Esse caso foi-se dado na cidade de Nanuque
A velha Adélia chorou
Já chorou, fizeram isso com santo
Quanto mais com pecador
O delegado chegou falou de cara feia
Gente, se eu sei quem foi
Pegava ele e dava dez anos de cadeia
Esse é Pedro de Aurora,
Eu devagar vou virando
A velha Adélia chorou
Tá chegando a minhas hora,
As minhas hora tá chegando
A velha Adélia chorou
Chorou, fizeram isso com santo
Quanto mais com pecador
O delegado chegou, falou de cara feia
Gente, se eu sei quem foi
Pegava ele e dava dez anos de cadeia
Seu Custódio, meu irmão
O senhor vai me levar
A velha Adélia chorou
Quando eu quero cantar
Vou até o dia clarear
A velha Adélia chorou
Já chorou, fizeram isso com santo
Quanto mais com pecador
O delegado chegou, falou de cara feia
Gente, se eu sei quem foi
Pegava ele e dava dez anos de cadeia
Esse caso foi-se dado
Na cidade de Nanuque
A velha Adélia chorou
Quero beber gole bão
Pra encher minha cuca
A velha Adélia chorou
Já chorou, fizeram isso com santo
Quanto mais com pecador
O delegado chegou, falou de cara feia
Gente, se eu sei quem foi
Pegava ele e dava dez anos de cadeia
[00:12:03.15]
>HLF: Como é que é o negócio? Foi onde, Nanuque?
>MPA: Nanuque.
>HLF: Que que aconteceu?
> MPA: Pegaram a moça nova, filha da velha Adélia, né. Aí mataram, a turma lá, de safadeza. Aí a velha pegou a chorar, o delegado chegou, olhou, viu o serviço e disse: “é, gente, se eu sei quem foi, eu pegava esse cara e dava dez anos de cadeia”. Aí tiraram a toada, né.
[00:12:48.02]
>HLF: Quando começa a bater assim…
> Mestre Pedro de Aurora. Toada. Maria quem quer prosar.
Maria, quem quer prosar?
Quem quer prosar?
Pede licença a Pedrosa
Para botar um currar
Ei, morena
Dessa moda eu não soube
Ajudante foi Alberto
E oficial foi Getúlio (2x)
Esse é o Pedro de Aurora
Nêgo véio acostumado
Maria, quem quer prosar?
O cabra é vadio
Mas ele é bom no machado
Maria, quem quer prosar?
(Aí não dá pra pegar…)
Quem quer prosar?
Pediu licença para Pedrosa
Para assentar um currar
Ei, morena,
Dessa moda eu não soube
Ajudante foi Alberto
E oficial foi Getúlio (2x)
Olha o baque do pandeiro
Olha o rojão do canzá
Maria, quem quer prosar?
Toda moça ciumenta
Não devia se casar
Maria, quer quer prosar?
Ei, prosar?
Pedir licença a Pedrosa
Para botar um currar
Ei, morena,
Dessa moda eu não soube
Ajudante foi Alberto
E oficial foi Getúlio (2x)
Eu vou mudar o batido
Eu vou mudar o rojão
Maria, quem quer prosar?
Vou fazer bonitinho
Na casa do cidadão
Maria, quem quer prosar?
Ei, morena
Pedir licença a Pedrosa
Para botar um currar
Moreninha,
Dessa moda eu não soube
Ajudante foi Alberto
E oficial foi Getúlio (2x)
Oi, cadê o Custodinho,
Que disse que era bichão?
Maria, quem quer prosar?
Que cantava na segunda
Na casa do cidadão.
Maria, quem quer prosar?
Ei, morena
Pedir licença a Pedrosa
Para botar um currar
Moreninha,
Dessa moda eu não soube
Ajudante foi Alberto
E oficial foi Getúlio (2x)
O pandeiro tá batendo
Num batido acostumado
Maria, quem quer prosar?
Desde eu pequenininho
Ando cumprindo o meu fardo
Maria, quem quer prosar?
Ei, morena
Pedir licença a Pedrosa
Para botar um currar
Moreninha,
Dessa moda eu não soube
Ajudante foi Alberto
E oficial foi Getúlio (2x)
[00:16:33.09]
> Mestre Pedro de Aurora. “Ai, santo reis”.
Ô Santo Reis
Ô Santo Reis e São Jorge
Viajaram muito cedo (2x)
E foi de madrugada
E foi de madrugada
E pra rezar a Santa Missa
Perto de Jesus amado (2)
Ô Santo Reis e São Jorge
Viajaram muito cedo (2x)
E foi de madrugada
E foi de madrugada
E pra rezar a Santa Missa
Perto de Jesus amado (2)
[00:19:24.23]
> MPA: Por enquanto não tem não. É mais na entrada, ainda não tirou a…
> HLF: Você sabe uma porção de descante…
> MPA: Mas agora não lembro não. É nosso Reis que nós vamo fazer esse ano, né seu? Você vai entrar no Reis também?
> Orador: Vou…
> MPA: Vou botar o (…) Gago na contra-guia, ele chega a chorar na contra-guia. Ele é gago mas não gagueja de jeito… pelo amor de Deus. É cu-cu-cu-cu, mas na hora H…
> Orador: Morena da catingueira
Saia fora da minha vida
Já viu como é bonita
As morena quando chora
[Conversa indistinta]
> Orador: Se até lá Deus abençoar que eu vou entrar de férias, eu vou entrar também.
> MPA: Ele ficou até zangado comigo, que eu disse que o Reis deles não presta. Eu falei logo, falei na cara. Só quem faz Reis aqui é Pedro de Aurora, eu só entro no Reis de Pedro Aurora, fica até zangado comigo, “cê fica encrencando com os outro”.
[00:21:36.04]
> Coro. Toada. “Morena da catingueira”.
[00:22:02.05]
> MPA: A outra, comadre… “A notícia desse Reis já soou no mundo inteiro”.
> MPA/coro. “E a notícia desse Reis já soou no mundo inteiro”
E a notícia desse Reis já soou no mundo inteiro
Vitória, França e Bahia
Japão e Rio de Janeiro (2x)
(Correu notícia mesmo!)
E a notícia desse Reis já soou no mundo inteiro
Vitória, França e Bahia
Japão e Rio de Janeiro (2x)
[00:23:58.05]
> Orador: Tá bom demais!
> MPA: Tá bom.
> Orador: O Pedro Aurora tá muito bom demais!
> HLF: Aquela, como que é? Joaninha na janela… o senhor sabe aquela?
> MPA: Não sei, não senhor.
> HLF: É Joaninha na Janela do seu quarto. Totonha e Chiquinha na janela do seu pai / E ela saiu chorando / Chorando não volta mais / Lelê / Lelá / Chorando não volta mais
[conversa indistinta]
[00:25:04.01]
> MPA: Santo Reis mandou nós vim. Eu, no tempo que eu cantava, eu não tirava… qual é a marcha? Eu digo, que marcha? Vão bora. Eu quero que cês respondam na hora…
> Orador: Cê faz as voz tudo certo…
> MPA: Um dia nós cheguemos na casa do Velho João Félix, [inaudível] José Davi, bebendo e… eu cheguei na casa do Velho João Felix bêbado, aí enquanto a turma chegava deitei no terreiro. Quando eu vi o pessoal chegar e dizer “Pronto! O Reis daqui não sai mais, que o mestre do Reis tá bêbado”. Eu tô escutando. Diz o Félix, chegou na porta, abriu a sanfona. Quando ele abriu a sanfona, eu levantei e falei… eu mais cumpadi Praxedi, que era meu… parei em cima daí a turma “como assim, minha nossa? Esse homem tava morto”. Entremos pra dentro de casa, cantemos tudo, brinquemos. Veio litro de cachaça, aí que nós fomos beber. Veio café, saiu… [inaudível]. Sim, sim. Naquele tempo eu comia uma rama, não bebia não. Maria, “é (…) esse tá morto”. Tinha saído lá de casa, que lá tinha um jantar, e fomos em Santa Cruz, cantemos na casa de Fonseca, e toquemos e cantemos Zé Davi e viemos por João Felix pra amanhecer no Dário Moraes.
> HLF: Andaram um bocado.
> MPA: Andemos. Lá em Santa Cruz nós cantemos a boquinha da noite.
[conversa indistinta]
[00:27:25.02]
> MPA: Vão, compadre Custódio?
> CC: Vão bora.
[00:27:30.28]
> MPA: Fui lá brincar duas vezes, e o povo todo comeu e bebeu. Doce e bebida de todo jeito. Aí vai na casa de Alfredo, vão pra casa de (…)não combinou, eu não gosto de brincar com gente que não combina. Alfredo tava esperando também. Saímos pro passarinho, cantamos no João Cornélio; chegamos no João Cornélio, nem a… aí sumimos por ali afora, fomos pro Passarinho. Chegou lá na casa de Italico, comemos uma leitoazinha magra e Seu Alfredo quando me viu me passou recado. E eu digo mas é isso mesmo… tava a mesada lá pronta. Que é que vai brincar esse Reis na barra outra vez, aí Francisco me disse “Pedro de Aurora, você não vai pra Barra mais hoje não, que o negócio tá lá de política, tá dizendo que o Reis é de política e você é do nosso lado e é Reis de política e hoje tão querendo fazer pagode no Reis de vocês, não vai mais pra lá não. Brinca aí no Pai João e daí vocês…”. É. Aí eu não continuei, não. Francisco era… quando gostava da gente, né? Não vai mais não. É pra cantar lá em casa mas o povo tá dizendo que é Reis de política, não vai mais não, deixa, eu vou assistir aqui no Pai João. Ah, mas também quando nós abria a boca assim era pra fazer mulher nem vestir a calça, sair assim…
> Orador: Cruz credo!
> MPA: Teve uma vez que eu mais cumpadre Brasilino, eu fui pra lá pro Divino Espírito Santo, saímos, chegamos em Itaúnas, apanhamos o Divino, dormimos lá, apanhamos o Divino de manhã e cantemos na igreja, saímos cantando pela rua ali. Quando nós chegamos numa casa a mulher saiu de combinação, ela não teve tempo de vestir o vestido. Eu mais cumpadre Brasilino na frente e Laurentino mais esse menino, Domingos Barreira, na segunda. Esse Domingos Barreira que tá aí. Sim senhor. “Cumpade, cumpade”, a mulher não deu tempo nem de vestir o vestido, cumpade”. Eu digo: aí que eu reparei, né.
> Orador: Cumpade, ó o cigarro. Tá aceso.
> MPA: Mas eu era assim. Eu fazia o Terno de Reis e botava os Marujos para treinar as vozes.
> Orador: É, bom, é isto mesmo.
> MPA: Quem não desse com aquele, tem que dar com outro.
> Orador: Tem que dar com outro. Tem que trocar aquele e passar pra outro pra dar em… enquanto as vozes não dessem por igual, não tava bom.
> MPA: Com quem que cê vai brincar? Vou brincar mais fulano. Pois é, você escolheu fulano, mas vamos ver. Na hora eu tinha que sair, eu saía de cordão abaixo; quando eu cantava na frente mais meu companheiro, eu descia de cordão abaixo assuntando quem é que deu certo.
> HLF: Você não chama Marujo de Congo também?
> MPA: É marujo.
> HLF: E outros que chamam Congo?
> MPA: Congo é de São Benedito.
> HLF: Por que que muita gente por aí chama “ah, se eu tiver os congos, eu faço o Reis”?
> MPA: Ah, bom. Eles que tratam Congo, mas…
> Orador: O congo mesmo é de São Benedito.
> MPA: Congo mesmo é de São Benedito.
> Orador: Agora, marujo que é de Reis.
> HLF: Quer ir, vão bora.
> MPA: Vão bora.
FIM DO LADO A
INÍCIO DO LADO B
[00:00:02.10]
> HLF: Agora, nesse lado aqui número dois vamo ver como que deu agora.
[00:00:29.23]
> Mestre Pedro de Aurora. Toada. “Tem precisa mas não queixa”.
Moço velho
Agora gostei de ver
Tem precisa mas não queixa
Pelo seu conhecimento
Pedro Aurora quer beber
Quem precisa mas não queixa
Soltei a baiana na praia
Com a viola no peito
Eu (…) a baiana
Tá sabendo que eu morro
Deixar a baiana não deixou
> HLF: Agora vamos ver como é que ficou.
[00:01:30.21]
[conversa indistinta]
> MPA: Pode cantar outra?
[00:01:47.25]
> Mestre Pedro de Aurora. Toada. “Tem precisa mas não queixa” (continuação).
No batido acostumado
É que eu gosto de cantar
Tem precisa mas não queixa
Eu vou louvar toda gente
Com todo seu pessoal
Tem precisa mas não queixa
Topei a baiana na praia
Com a viola no peito
Ei de amar essa baiana
Tá sabendo que eu morro
Deixar a baiana, eu não deixo
Eu vou-me embora pra casa
Vou-me ver a coitadinha
Tem precisa mas não queixa
Quando está marginando
E lá em casa sozinha
Tem precisa mas não queixa
Topei a baiana na praia…
Pedro Aurora é negro gato
Trovador por devoção
Tem precisão mas não queixa
Quando eu estou cantando
Quero beber gole bão
Tem precisão mas não queixa
Topei a baiana na praia…
[00:03:35.29]
> Mestre Pedro de Aurora. Toada. “Tô aqui marginando a minha vida”.
Eu vou cantar uma toada
Para ver se a coisa vai
Estou aqui imaginando a minha vida
Abençoado é o filho
Que beija a mão de seu pai
Tô aqui marginando a minha vida
Vou fazer uma viagem
Quando eu voltar eu te digo
Tô aqui marginando a minha vida
[…]
[00:05:26.26]
> Mestre Pedro de Aurora. Toada. “Ô Joaquim tá na taca”
Ô Joaquim tá na taca
Na travessia do meio
Traz meu salgado magro
Logo morreu uma vaca
A morena quando soube
Foi logo chamar a tia
Que a vaca magra
Tava morta de três dias (2x)
Companheiro, companheiro
Vamos cantar um pouquinho
Ô Joaquim tá na taca
Eu só bebo é contrariado
Cachaça, cerveja e vinho
[repetição]
Vai buscar uma cachaça
Eu canto até amanhecer
Ô Joaquim tá na taca
Eu sou Pedro de Aurora
Que eu não canto sem beber
[repetição]
Ô meu cumpadre Custódio
Seu cumpadre tá penando
Joaquim tá na taca
Eu sou aquele canário
Que saiu fora do bando
[repetição]
Vamo sambar, minha gente,
Que nós temos que morrer
Ô Joaquim tá na taca
Essa terra que nos cria
E só há de nos comer
[repetição]
Ai, meu Deus quando eu me alembro
Da minha tranquilidade
Ô Joaquim tá na taca
De terreiro eu faço rua
De rua eu faço cidade
Ô Joaquim tá na taca
[repetição]
Eu só bebo é contrariado
Cachaça, cerveja e vinho
Ô Joaquim tá na taca
O pessoal foi embora
Pedro Aurora tá sozinho
[repetição]
Agora eu vou terminar
Para (…) ficar bom
Ô Joaquim tá na taca
Tô cansado de pedir
Mas não aparece o gole não
[repetição]
[00:10:19.19]
[Conversa indistinta]
[00:11:43.23]
> Mestre Pedro de Aurora. Toada. “Teu coração que me paga se puder”.
Agora vou vadiar
Até o dia amanhecer
Teu coração que me paga se puder
Pelo seu conhecimento
Pedro Aurora quer beber
Teu coração que me paga se puder
Oi, morena
Teu coração que me paga se puder
Eu não sei, mas mando dizer quando é (2X)
Vamos sambar direitinho
Para o povo gostar
Seu coração que me paga se puder
Vamos sambar por em cheio
Até o dia clarear
Teu coração que me paga se puder
Teu coração que me paga se puder
Eu não sei, mas mando dizer quando é (2X)
Olha o baque do pandeiro
Olha o rojão do canzá
Teu coração que me paga se puder
Toda moça ciumenta
Não devia se casar
Teu coração que me paga se puder
Eu não sei, mando dizer quando é (2X)
Eu vou-me embora pra casa
Tô querendo descansar
Teu coração que me paga se puder
Marginar dessa estrada
Que nós vamos viajar
Teu coração que me paga se puder
Eu não sei, mando dizer quando é (2X)
Na casa de meu amigo
Quero falar direitinho
Teu coração que me paga se puder
Eu já bebi contrariado
Cachaça, cerveja e vinho
Teu coração que me paga se puder
Eu não sei, mas mando dizer quando é (2X)
Ô seu Moisés, coração
Vamo cantar bonitinho
Seu coração que me paga se puder
Em todo lugar que eu chego
Eu lavo minha santinha
Teu coração que me paga se puder
Eu não sei, mas mando dizer quando é (2X)
Seu Sargento, Seu Sargento
Escuta que eu vou falar
Seu coração que me paga se puder
Bota a chaleira no fogo,
Bota o bule pra quentar
Teu coração que me paga se puder
Eu não sei, mas mando dizer quando é (2X)
Esse é o Pedro de Aurora
Cantador de elefante
Teu coração que me paga se puder
Barbatana de baleia
Força de tringa gigantes
Teu coração que me paga se puder
Eu não sei, mas mando dizer quando é (2X)
Quando chegar na Barra fala
Que Pedro Aurora tá aqui
E teu coração quem me paga se puder
Lembra de dar a lembrança
Ao amigo Vantuir
Teu coração que me paga se puder
Eu não sei, mas mando dizer quando é (2X)
Eu só atiro em macaco
Eu não atiro em bugia
Seu coração que me paga se puder
Se tivesse um pandeiro
Nós ia amanhecer o dia
Seu coração que me paga se puder
Eu não sei, mas mando dizer quando é (2X)
[00:17:00.13]
Conversas e improvisos.
[00:18:14.14]
> MPA: O trem tá rodando, né?
> HLF: Tá.
[conversa indistinta]
> HLF: Esse negócio de… uma outra, mais Cantiga de Derrubada? Além daquelas. Além da “Rôla” e da “Areia”, sabe outra?
> MPA: A gente sabe, mas…
> HLF: Mas no momento assim não se lembra…
> MPA: Eu tô… sabe o que eu tô ajeitando? Cê não ouviu falar lá na história do Boi Ponta de Ouro? Não viu ninguém contar?
> HLF: Não. E aquela dos eucaliptos?
> MPA: Do eucalipto eu não tirei nenhuma não.
> HLF: Cê não disse que tinha tirado um negócio do (…)
> MPA: Ah, bom. Isso aí já é do… governo. Eucalipto não dá fruto, seu governo / Como é que nós havemo de fazer…
Precisa tirar a música. E do Boi Ponta de Ouro eu quero tirar tudo por escrito pra poder cantar certo, né. Você sabe que era um patrão que tinha um preto por nome Pai João, que nunca tinha mentido pra ele. E ele tinha um gado pra aquele preto, né. Então um outro fazendeiro egoísta entendeu de tomar… de fazer uma aposta pela fazenda, e firmaram uma aposta com prazo de dez dias para terminar uma aposta. Se ele ganhasse, ganhava a fazenda do outro, se ele não ganhasse, perdia a fazenda com tudo. Aí ele mandou uma moça lá, bonita, encantadora, que ele tinha a filha dele, com um travesseiro na barriga dizendo que tava grávida e fazer Pai João matar o Boi Ponta de Ouro que era o boi de mais estimação que ele tinha. Entonces, ela chegou lá e abraçando Pai João, e beijando, e gemendo, que fizeram um erro com ela e coisa e tal, que ela ia morar mais Pai João, e Pai João disse: ai, sinhá, aqui essa fazenda é respeitada, sinhá não pode não, sinhá. E com muito pedido ele resolveu matar o Boi Ponta de Ouro pra ela comer o fio. Ela comeu a Ponta do Fio…
> Orador 3: Ela desejou, né?
> MPA: É, enganou Pai João que ia buscar a mala que tinha deixado e ó… e sumiu. Aí Pai João pensou e mandou as camaradagens pendurar a carne, ele imaginou o que ela ia fazer. Aí montou no cavalo e saiu. Quando chegava lá adiante ele apeava e fincava vara de ferrão […]. Aí ele mesmo respondia: te abençoe, Pai João? Que que há na nossa fazenda? Ei, Iôiô, Boi Ponta de Ouro caiu no buraco, Ioiô, e morreu. Disse: É, tá certo, pai João. Ai montava, saía… ah, essa mentira não pega assim não. Adiante ele pulava do cavalo, embaixo fincava vara de ferrão lá e dizia: Bença, Ioiô! E respondia: Bença, Pai João. Que que há na nossa fazenda, Pai João? É, Ioiô, o nosso Boi Ponta de Ouro a onça pegou, Ioiô e matou, a carne tá lá, Ioiô; tá certo, Pai João, não foi você que foi culpado. Aí ele montava, saía, disse… ah, essa mentira não pega assim não, ai eu nunca pregou mentira, ô meu Deus, me ajuda. Aí lá adiante ele fincou a vara outra vez e disse: Bença, Ioiô! Ele disse: Deus te Abençoe, Pai João. Que que há na nossa fazenda? Ê, Ioiô, vai me desculpar, Ioiô, moça bonita do cabelo loiro, Ioiô, bonitona, Ioiô, chegou abraçando o Pai João, Ioiô, e fez Pai João matar Boi Ponta de Ouro. Agora Ioiô faz de mim o que quiser. Ele, ah, João, o povo tá tudo esperando aí. Bravo, João! Não disse, Pai João nunca prega mentira. Aí o outro baixou a crista e ficou imaginando e disse: não, não imagina não, da minha fazenda eu não saio, fico como empregado. E obrigou a moça a ir morar com Pai João – ou vai morar ou morre. E foi morar com o morenão. Isso que eu quero tirar direitinho, né?
[conversa indistinta]
> HLF: Essa aí é da sua cabeça, né?
> MPA: É. A história eu já sabia, né, mas eu quero tirar ela em verso.
> HLF: Essa história você soube como?
> MPA: Isso é do pessoal antigo, finado Geremias contava essa história. Até que eu vou botar o nome da fazenda Solidão, isso o povo contava isso, nós perdia a hora escutando essas história, né, de Pai João. Mas nunca tinha pregado mentira ao patrão. Ele tinha aquele gado, falava em toda repartição. Aí ele disse, ah, fazer uma mostra se ele mente ou se não mente. Mandou essa moça lá, bonitona que ele tinha da cidade, né, quem é que não vai… quem é que não vai matar o Boi Ponta de Ouro? Até eu matava a vaca do Seu Moisés.
[00:24:52.18]
[conversa indistinta]
> MPA: Dentro do pau tem cachaça…
[00:25:11.29]
> Orador 3. Toada. “Jurema preta”
[…]
Dos filhos que meu pai tinha
Eu era o de maior estimação
Fazia cama de cinza
E travesseiro de tição
Dos filhos que minha mãe tinha
Eu era quem mais podia
Tinha um rebanho de vaca
E setecentas novilhas
Dos filhos que meu pai tinha
Eu que era o perrengue
Levantava uma igreja
Todo santo que tinha dentro
Se eu pegar no meu facão,
Meus colegas,
Pode vir, mas não vem não,
Ai, ai
No caminho da minha roça
Tem um pé de jurema preta
No pé dela tem um ninho
Onde a serpente deita
Mais em cima uma jibóia
Com rebanho de cobra preta
Mais em cima um bem-te-vi
Com 300 borboletas
Mais em cima tinha um véio
Que tava virando o capeta
Mais em cima tinha uma véia
Fazedera de careta
Mais em cima, um soldado
Um punhal na mão direita
Mais em cima, um aleijado
Caminhando nas muleta
Mais em cima um negrinho
Quebrador de espoleta
Mas já tá muito de noite
Ô colegas
Eu vou ver se dou um jeito
Passei a taca no negrinho
Pra não quebrar espoleta
Dei remédio aos aleijado
Pra não caminhar nas muleta
Dei uma queda no soldado
Punhal na mão direita
Passei a taca na velha
Não fazer mais careta
Rezei o credo no velho
Pra não virar o capeta
Atirei no bem-te-vi
E matei as borboletas
Mas eu matei a jibóia
E o rebanho de cobra preta
Cheguei fogo no ninho
Onde a serpente deita
Corta, corta, machado (…)
No pé da jurema preta
Eu passei na taboca, topei…
Eu passei na sereia,
Topei animal da barba vermelha
Mulher apanhando,
Toma danada,
Pra que carrilheira
Minha (…) tá descansando,
Meus colegas,
Lá em baixo nas areia
[00:28:10.20]
> MPA: Pode falar?
> HLF: Pode.
> Mestre Pedro de Aurora. Toada. “Tu me dá 3 mil réis emprestado”.
Seu Hermógenes,
To querendo arretirar
Tu me dá 3 mil réis emprestado
Ô, quero meter a pequena,
Ô, quero me descansar,
Tu me dá 3 mil réis emprestado
E a viola é 2 mil réis
E o pandeiro é 2 cruzados
Agora 200 réis
Toma lá seu dinheiro inteirado
Seu Moisés,
Nós havemo morrer junto
Me dá 3000 réis emprestado
Como não será bonito
Numa cova dois defunto
Me dá 3 mil réis emprestados
E a viola é 2 mil réis
E o pandeiro é 2 cruzados
Agora 200 réis
Toma lá seu dinheiro inteirado
Seu Sargento, escuta que eu vou falar
Me dá 3 mil réis emprestado
Nós bebemos café preto
Pra poder nos alegrar
Me dá 3 mil réis emprestado
[repetição]
Seu Moisés tá calado
Não diz nada
Me dá 3 mil reais emprestado
Pedro de Aurora tá falando
Por isso é caçoado
Me dá 3 mil reais emprestado
[repetição]
[00:30:37.04]
> Orador 3. Toada. “Sobrado”
[…] é terra boa
Boa de pobre morar
Mas que nela tem uma casa
Uma casa assobradada
Casa de cem janela
Que eu já morei dentro dela
Cada janela tem cem moça
O Rei me mandou uma a força
Cada moça, cem vestido
Vestido de preço asubido
Cada vestido, cem gibeira (sem?)
Que eu canto por essas maneira
Cada gibeira tem cem metros
O caso não é com frequência
Cada lenço tem cem pontas
Cadeia de Rei de conta
Cada ponta tem cem réis
Meto cinco e dou dez
Cê penteia seu cabelo
Que eu te dou 5 mil réis
Depois dele penteado, morena
Prometo cinco e dou dez,
Ai ai…
> MPA: É, tá certo. Eu canto ela de outro jeito…
[00:31:46.01]
[Conversa baixa, indistinta]
[00:32:02.27]
> Mestre Pedro de Aurora. Toada.
Eu vou-me embora
Como eu digo sempre vou
Gente, vem ver meu sobrado
Se eu fosse forro eu não ia
Como eu sou cativo eu vou
Gente, vem ver meu sobrado
Eu vou fazer um sobrado
Sobrado de cem esteio,
Morena pedra do meio
Sobrado de cem andaime,
Passa o dedo nos arame
Sobrado de cem janelas,
É só pras moças donzelas
Cada janela, cem moça
Pra cantar precisa força
E cada moça, cem vestidos
Que veio dos Estados Unidos
Cada vestido, cem gibeiras
Saia de sete maneiras
E cada gibeira, cem lenços,
O caso não é como vocês pensam
Cada lenço, cem pontas
Que veio do Rio de Contas
Cada conta, cem tostão
Para somar essas conta
Manda eu chamar meu patrão
Ei, gente, gente vem ver meu sobrado
Se tivesse uma galinha
Pra nós comer ela assada, minha gente
Gente, vem ver meu sobrado
Esse é o Pedro de Aurora
Cantava (…)
Ê minha gente,
Gente vem ver meu sobrado
Gente, eu vou fazer um sobrado
[repetição]
Pedro de Aurora é negro gato
Trovador por devoção
Ah, minha gente,
Gente, vem ver meu sobrado
Somos que nem tarraqueta
(…) que nem mourão
Gente, vem ver meu sobrado
[repetição]
Seu Moisés,
esse coco é bom de cantar
Ê, minha gente, gente, vem ver meu sobrado
Vamo beber gole bom
Até o dia clarear
Ê, minha gente,
Gente, vem ver meu sobrado
[repetição]
[00:38:07.08]
> HLF: É o que agora, é o coco?
> Mestre Pedro de Aurora. Coco/Cordel. Peleja de Bernardo Nogueira com Preto Limão (primeira parte).
Em Natal já teve um negro
chamado Preto Limão
repentista de talento
E poeta por diversão
Onde o Preto cantava
chamava do povo atenção
Esse tal Preto Limão
era um negro inteligente
por toda a parte que andava
já dizia abertamente
nunca topou um cantor
que desse no seu repente
Nogueira sabendo disso
prestava pouca atenção
dizendo eu nunca pensei
brigar com Preto Limão
sendo assim a raça dele
não deixo nenhum pagão
O encontro desses homens
causou admiração
abalou o povo em massa
daquela população
pra ver Bernardo Nogueira
Surrar o Preto Limão
Me chamo Bernardo Nogueira
Santificado do batismo
sou força d’águas correntes
do tempo do carrancismo
quando queimo as alpargatas
parece um magnetismo
Me chamo Preto Limão
Sou turunga do reconco (recôncavo)
toro junco pelo meio
e braúna pelo tronco
um cantor como Nogueira
tem que obedecer meu ronco
Seu ronco eu não obedeço
que para mim cê não falou
até o diacho tem pena
da laborada que eu lhe dou
depois não sai dizendo
que Santo Antônio enganou
Cantor que canta comigo
precisa fazer o estudo
pisa no chão devagar
fazendo os passo miúdo
dormir tarde, acordar cedo
dar definição de tudo
Cantor que canta comigo
precisa cumprir um dever
pisa no chão devagar
bem nas pontinhas dos dedos
dar definição de tudo
dormir tarde, acordar cedo
Moleque, se eu te pegar
embriagado na feira
da barriga faço uma mala
das canela, uma cambiteira
do joelho, uns cabeçote
das tripa, uma enfrigideira
Nogueira está enganado,
queira Deus você não rode
teimar com Preto Limão
você querer e não pode
caíste num cipoal
que nem Deus te acode
> Orador 3: Esse romance eu sabia bem, depois…
> MPA: Aí repete o verso, pra ficar…
> Orador 4: Tem que repetir ele pra poder ficar bonito.
Moleque se eu te pegar
eu escancho em tua garupa
na barriga eu faço um fole
na cabeça, um cumbuco
do joelho, um cabeçote
das tripa um chupa-chupa
Nogueira, se eu te pegar
até o diabo tem dó
desço pela goela abaixo
cada tripa dou um nó
subo debaixo para cima
vou morar bem no gogó
Da forma que eu vou lhe deixar
não vale a pena viver
até teus próprios amigos
custa a lhe conhecer
corto-te o beiço de cima
e faço rir sem querer
Você vai ficar pior
assim eu estava chorando
porque de horas em diante
heis de falar bordejando
corte a ponta da língua
e deixe o tronco balançando
Mas eu muito me admiro
que agora eu vou falar
digo de peito empolado
Assim se desse a escapar
fosse dentro do inferno
depois torna a voltar
Eu cantei com o Inácio
moleque bom na madeira
negro que não afronta
com dez léguas de carreira
de uma surra que eu dei nele
quase larga a catingueira
Você cantou com o Inácio
porém foi só uma vez
acho vergonhoso contar
o que Inácio lhe fez
ficasse doente um ano
e aleijado mais de um mês
O Inácio não me fez nada
porque já vive cismado
de uma surra que eu dei nele
a 20 do mês passado
de preto ficou cinzento
quase morre amedrontado
Moleque, tu me conhece
como um cantor afamado
aonde eu ponho a boca
é triste seu resultado
porém cantei com Inácio
eu visse visto pesado
Nogueira, que nunca viu
o Preto Limão enfezado
incendiei o horizonte
de um para o outro lado
rasgando as densas trevas
do negro condenado
Quando eu vim de lá de baixo
fiz a terra dar um tombo
no roquejo da procela
no mar o rebombo
cubriu-se o mundo de fogo
nada serviu de assombro
Ah, seu Nogueira
da forma de um homem pobre
eu lhe considerava
como infeliz ou sem sorte
se você chegar aí
no Rio Grande do Norte
Se eu for no Rio Grande
até você desanima
o sol perde os raios
muda o terreno, o clima
tapo a boca do rio
e deixo correndo para cima
Ô, se me tapar o rio
veja como sou tirano
rasgo pela terra adentro
vou sair no oceano
deixo as marés do Brasil
correndo uma vez por ano
Moleque, tu que tens?
parece um pinto muelo
contasse tanta façanha
como estás tão amarelo?
quanto mais se você ver
Seu Nogueira no martelo
Se eu entrar no martelo
você topa parceiro
eu perco a fé do doente
quando muda o travesseiro
porém, siga na frente
que eu vou pro derradeiro
(muda o ritmo para “martelo”)
Mas eu penso que eu tando nela
pego na goela
o cabra esmorece
a língua desce
o olho racha
falta da caixa
por despedida
procura a vida
porém não acha
Na bebedeira
onde o preto morre
tropeça e corre
topa a ladeira
topa a porteira
e passadiço
e alagadiço
e vem com trama
encontra lama
E topa serviço
Tem chumbo e bala
pra Seu Nogueira
cantor, goteira
pra mim não falha
dentro da sala
fica entupido
e amortecido
e já sem recurso
até os pulso
já tem fugido
Duro de fama
duro bem pouco
pau que tem oco
não bota rama
chora na cama,
quer lugar quente
te fura a íngua
te quebra o dente
te ranca a língua
cabra insolente
Entre o perigo
que eu sou valente
como a serpente
do tempo antigo
nego comigo
não tem ação
boto no chão,
rasgo a titela,
puxo a moela
e levo na mão.
[Interrupção. Continua no Lado A]
FIM