Lado A: Gravação de pequeno trecho do Ticumbi de Conceição da Barra em exibição em Vitória em 1951. Em seguida transmissão radiofônica da Rádio Espírito Santo com o Congo São Benedito, de Caieiras Velha (Aracruz), realizada na ocasião do Concurso Estadual de Congos, no Estádio Governador Bley, em Vitória, em 5 de setembro de 1951. E ainda a toada “Soldado de Minas” possivelmente do Congo São Pedro, de Jacaraípe (Serra).
Lado B: Continuidade da regravação das toadas atribuídas ao Congo São Pedro, de Jacaraípe (Serra), na ocasião do Concurso Estadual de Congos, no Estádio Governador Bley, em Vitória, em 5 de setembro de 1951. Ao final, introdução da conferência de Câmara Cascudo realizada também em Vitória.
Obs: Orador 2 não identificado até o momento.
Conteúdo detalhado
LADO A
[00:00:01.00]
> Guilherme Santos Neves: Ticumbi de Conceição da Barra quando da sua exibição aqui em Vitória em 1951.
[00:00:17.04]
> Ticumbi de Conceição da Barra.
[00:02:56.17]
> Orador 2: Rádio Espírito Santo PRI-9 A Voz de Canaã. Senhores ouvintes, nesse momento vamos apresentar o Congo de Caieira Velha, no município de Aracruz. Consta que esse congo consta de 1560, composto de elementos de origem indígena. Instrumentos rústicos que observamos e que eles usam: tambores, cuíca e casaca. Um dos congos mais cotados no grande Concurso Estadual de Congos realizado ontem no Estádio Governador Bley sob o patrocínio da Prefeitura Municipal de Vitória e da Comissão Espírito-santense de Folclore. E agora vamos ouvir o Congo de Caieira Velha, do município de Aracruz, em “Ô Yayá, cadê padrinho?”, toada de congo.
[00:03:35.14]
> Congo de Caieira Velha. Ô Iaiá, cadê padrinho?
[00:07:22.26]
> Orador 2: Muito bem, estamos apresentando aqui o Congo da Caieira Velha, um congo que a capela desse congo, como eu soube aqui, tem 391 anos. Nós vamos fazer… faz favor o senhor aqui. Ele tem origem, não é? Ele tem 87 anos, não foi? Como é o nome do senhor? Diz aqui. Aqui perto do microfone.
> Orador 3: José Francisco.
> Orador 2: José Francisco. Quantos anos tem mesmo o senhor?
> JF: 85.
> Orador 2: Diz algo, fala alto.
> JF: 80. 85.
> Orador 2: 85. Ele é descendente mesmo direto do Congo da Caieira, não é? E outra coisa que eu queria perguntar ao senhor: é verdade mesmo que esse congo é de 1560? Quem foi que fundou esse congo?
[falas indistintas]
JF: É antigo, é antigo.
> Orador 2: Muito bem. Quase a idade do nosso quarto centenário, heim? E outra coisa, agora quem é que vai botar outra roda aqui? É o capitão mesmo, né? Capitão, o que é que o senhor vai executar agora aqui?
> Capitão da Banda: “1, 2, 3 quem descobriu o Brasil foi o português”.
> Orador 2: “1, 2, 3 quem descobriu o Brasil foi o português”. Muito bem, o congo da Caieira Velha, do município de Aracruz vai… “1, 2, 3 quem descobriu o Brasil foi o português”. Muito bem, pode começar.
[00:08:36.04]
> Congo Caieira Velha: 1, 2, 3 quem descobriu o Brasil foi o português.
[00:11:04.03]
> Orador 2: Muito bem, estamos ouvindo o Congo da Caieira Velha, do município de Aracruz, que agora cantou “1, 2 3, quem descobriu o Brasil foi o português”. Esse congo é composto de vinte elementos, não é? De origem indígena. Instrumentos rústicos, tambores, cuíca e casaca. Um dos dos congos mais cotados no grande Concurso Estadual de Congos, realizado ontem no Estádio Governador Bley, e sob patrocínio da Prefeitura Municipal de Vitória e da Comissão Espírito-santense de folclore, que tem como seu incentivador o doutor Guilherme Santos Neves. Agora encontra-se presente também aqui no nosso estúdio o ilustre prefeito de Aracruz, o senhor Bartolomeu Santos. O senhor quer dizer alguma coisa, seu Bartolomeu? O povo capixaba aqui de Vitória que está ouvindo está entusiasmado com o congo de Aracruz. Ontem, o Duarte Júnior, quando fez a reportagem diretamente lá do estádio, todos aplaudiam diretamente pelo rádio, ficaram mesmo entusiasmados todos os habitantes daqui da ilha. Agora, que roda nós vamos botar agora? Eu já estou fazendo parte do congo também. Muito bem, Aracaju, né? Então, capitão da mata, pode começar.
[00:12:13.03]
> Congo de Caieira Velha. Aracaju.
[00:14:36.05]
> Orador 2: Muito bem. [Problema técnico] E agora, já que nós tivemos o prazer de apresentar esse grande conjunto que é o congo de Caieira Velha, nós vamos nos despedir dos ouvintes. O senhor quer fazer, cantar uma coisinha rápida, mas rápida mesmo, que nós vamos agora embora, não é?
[00:14:54.15]
> Congo de Caieira Velha. Toada de Congo.
[00:15:59.14]
> Orador 2: Muito bem. E assim, senhores ouvintes, a Rádio Espírito Santo acaba de apresentar o Congo de Caieira Velha, do município de Aracruz, que cantou diversos números aqui para os nossos ouvintes. Muito obrigado.
[00:16:09.25]
> GSN: Agora algumas toadas do congo de Jacaraípe cantadas aqui em Vitória em 1951 também.
[00:16:20.24]
> Congo de Jacaraípe. Toada de congo. Soldado de Minas.
[00:18:42.12]
> Congo de Jacaraípe. Toada de congo. Soldado de Minas (sem batuque)
Soldado de Minas,
passou por fora,
Não temas, mulata,
Que eu vou-me embora
Soldado de Minas
Passou por dentro
Não temas, mulata,
Que eu vou licença…
[00:19:51.26]
> Orador 3: Outras toadas do congo de Jacaraípe no verso dessa mesma fita.
FIM DO LADO A
INÍCIO DO LADO B
[00:00:00.26]
Congo de Jacaraípe. Toada de Congo. Ora fia o fuso.
[00:03:41.27]
Congo de Jacaraípe. Toada de Congo. Passarinho xô xô.
[00:04:44.00]
Congo de Jacaraípe. Toada de Congo. Levanta cavalo velho.
[00:08:41.10]
Congo de Jacaraípe. Toada de Congo. Bate palma minha gente / Que lá vem o general
[00:13:22.20]
Orador 1: Introdução da Conferência de Luís da Câmara Cascudo feita aqui em Vitória.
[00:13:40.01]
Orador 1: Senhor Governador do estado, senhor diretor da faculdade de música [inaudível]. Minhas senhoras e meus senhores. Meu tio Luís Manoel Fernandes Pimenta, irmão de minha mãe, mandou aí por volta de 1890 fazer um anúncio para vender uma de suas fazendas. O redator de plantão era, se não me engano, o poeta Henrique Castriciano e, ao ouvir do seu amigo os elementos constitutivos da propriedade rural, começou a descrevê-la com cintas da poesia e da elevação idiomática. Plantou a velha casa de fazenda alpenzada e romântica no rebordo da colina; descreveu a relva bem verde clara, e se [distinguiu] ondulância até o primeiro córrego [inaudível]; falou das grandes oiticicas [inaudível], imóveis no crepúsculo como recortadas silhuetas japonesas; sobretudo, falou das grandes tardes do setentrião brasileiro, quando as [inaudível] estão mais próximas e se desenrola no ar a dolência melancólica do aboio. Falou [inaudível] do gado tradicional, e das figuras hierárquicas [inaudível], das vestimentas vaqueiras e dos velhos oratórios de jacarandá entalhado, e das cadeiras [inaudível], das velhas famílias octalares do Brasil setentista, oitentista, novecentista. E quando terminou, meu tio leu… “Não, agora eu não vendo mais a fazenda. Eu não sabia que aqui era tão bonito assim. Agora não há mais dinheiro que pague a minha fazenda. Nesse momento, minhas senhoras e meus senhores, a minha pobre fazenda [inaudível] se transfigurou realmente na linguagem generosa dos meus dois amigos. Bem que eu não a queria vender, mas não há supunha nem tão alta e nem tão linda, apenas construída diariamente com dedicação à [inaudível] brasileira, e encontrar nas coisas mínimas o encanto das velhas tarefas românticas.
Francamente, eu não sabia que era tão importante; agora, realmente compreendo um dos contos populares mais antigos do mundo, o conto do sonhador acordado de Bagdá no templo do sultão Harun-al-Rashid. Todos nós sabemos o encontro do sultão com aquele pobre homem adormecido, um sapateiro remendão de Bagdá, e o capricho do sultão em levá-lo [inaudível] para o palácio e deitá-lo na sua cama com as suas vestes e convencê-lo pela manhã com [inaudível] que ele era não o sapateiro remendão da ponte de Bagdá, mas o comendador dos [inaudível], o rei dos reis, Harun-al-Rashid. E, naturalmente, como as reações psicológicas e sua individualidade tanto mais julgava o sapateiro remendão, mas a evidência, a minuciosa evidência, convencia pelas reverências, pela abundância das rendas, pelo esplendor da indumentária, pelo encanto dos salões internos, pela curvatura dos vassalos, pelo perfume que se queimava em cada canto e, acima de tudo, pela [inaudível] [opulência] jubilosa de todos em servi-lo, ele realmente era Harun-al-Rashid. Sabei depois que ele acordou sobre a sua ponte de Bagdá e foi uma luta a reacomodação psicológica do homem que foi sultão um dia e que era sapateiro toda a existência. Eu sei que a dois mil e poucos quilômetros de [inaudível] me aguarda a minha ponte aonde eu vou despertar na manhã de segunda-feira. Sei, de antemão, que vosotros, os Harun-al-Rashid capixabas, têm um cordão de teto baixo na glória dos meus 56 anos à minha profissão cotidiana com abadio da mais poderosa das espadas, muito mais que as varinhas de condão e só comparável à trajetória da própria glória [inaudível]. Essa força mágica que pode transformar o homem, um sapateiro remendão, num sultão, é a bondade. Com ela pode tocar de outro [inaudível] as estrelas, os seres mais humildes e mais apaixonados pela sua profissão.
FIM